quinta-feira, 24 de junho de 2010

Sob estrelas ibéricas.

Lanço aos céus indagações embriagadas,
Ardentes e indignadas, inflamadas
Por um júbilo sem razão.

Ergo-me do chão.

São questionamentos de Paraíso e Inferno,
Efêmero e eterno, um enlace terno
De incompreensões mortais.

Afasto-me dos demais.

Sem resposta do Céu, caio no silêncio de antes.
Ele, qual Cervantes, em poucos instantes
Atira-me contra a loucura.

Tira-me a bravura.

Desfaleço em inglório lamento lamurioso,
Um Queixote degostoso, mentiroso
Sem Rocinante ou carmesim.

Resta-me o rocim.

Camões, em pompa, também comparece.
Das chamas aparece, e delas enaltece
Um sentido com base no amor.

Cego-me com seu ardor.

Subo ao encontro das estrelas ibéricas.
Ilíadas homéricas, rimas poéticas
De um mundo sem poesia.

Contorço-me em agonia.

Morto e integrado às tiânicas constelações,
Despido de opiniões, volto a Camões
E também ao trágico Cervantes.

- Vejam-me, tratantes!

Narro sobre minha busca por algum sentido
E logo sou repreendido. Advertido:
Morreste em vão, viagem perdida!

- Não com, mas sob as estrelas que se faz a vida.

sábado, 19 de junho de 2010

Depois da Alvorada.

Findo orvalho derramado no crepúsculo,
O clarão da alvorada falhou ao dissipar.
Arcano noturno sob sol matutino;
Não há nada mais belo de se olhar!

Abóbada celeste em glória nos guia,
Lar dos Deuses a cantar e a sorrir.
Vejo o mundo nessa perspectiva,
Olhar mais belo há de existir?

Mas à medida que a manhã avança,
Ao silêncio do canto agora extinto,
Encontro dura realidade no meio-dia,
Passo a portar olhar distinto.

É a tarde que se mostra mais desilusória.
Vejo homens inglórios da minha janela.
Hipócritas disfarçados a nos corromper;
Quisera eu ter visão mais bela.

O sol, por fim, se põe nos morros longínquos.
Despede-se em fulgor qual animal agitado.
Começa a abandonar, na penumbra, a sociedade.
Quisera eu ver-me indo embora ao seu lado!

Rezo por exílio desse penoso convívio forçado.
Não confio nos homens e sua face maquiada.
Rezo, também, para ficar preso naqueles sonhos
Em que fujo da humanidade por mim execrada.

Regojizo, porém, com o cair do véu escuro.
Triunfal noite que me devolve a esperança.
Pessoas em suas casas, livro-me do temor.
Enxergo outra vez como quando era criança.

Deitado defronte ao céu estrelado,
Ciente do orvalho incessante a cair,
Anseio pelo crepúsculo e pela alvorada,
Só entristeço-me com o resto do dia por vir.

(Repostagem com correções.)

sábado, 12 de junho de 2010

De Pelé a Josué.

Em meados da década de 40, tempos em que seu Quinca ainda era o pequeno Quim, foi orgulhosamente anunciada uma Copa do Mundo no Brasil. Prevista para ocorrer em 1950, os preparativos começaram cedo – e Quim maravilhava-se com a magnitude dos eventos que presenciava. Daí para frente, estava moldado um clássico fã de futebol. Peladeiro de fim de semana, palpiteiro de boteco e patriota ufano, pomposamente vestido de verde e amarelo a cada quatro anos.
Logo no início dos anos 60, largou o apelido de juventude. Não que tivesse deixado de se enquadrar na qualidade de jovem, mas, para a sociedade daquele período, um rapaz de vinte e poucos já deveria portar-se como homem de responsabilidades. Ora, pois, Quim ficou para trás. Erguia-se Joaquim, indivíduo de respeito que não tardou a se casar e procriar. A partir daqui, fica a nosso cargo seguir sua linhagem.

Copa de 1966.

Joaquim ao menino Ernesto, filho nascido há não mais que um ano:
- Ô, filhão, você tinha que ter visto a seleção jogar. Pelé, Garrincha... e nem nos classificamos para as oitavas! Uma lástima, reconheço; mas como era bonito!


Copa de 1978

Ernesto a um amigo, enquanto jogavam futebol pelas ruas da periferia do Rio:
- Que barra, bicho. Esse ano o Brasil tava com uma equipe supimpa e mesmo assim não levamos! Mas tá jóia, ver o Rivellino jogar deu gosto!


Copa de 1994.

Novamente, Ernesto. Dessa vez a seu recém-nascido filho, Thiago:
- Aê, agora foi, rapaz! Vem com com o papai, vem! Foi no sufoco, mas tá aí a taça! Dunga, Raí, Bebeto... timão lindo!


Copa de 2010.

Thiago, à barriga da namorada, grávida aos dezesseis anos do pequeno Glaydsson:
- Porra, filhão, vamo que vamo! É hexa esse ano, hein, rapá!


E a equipe, Thiago? Podemos até ser hexacampeões. A dúvida é: alguém vai ter coragem de dizer aos filhos que foi bonito ver a seleção de Grafite, Kleberson e Josué jogar?

sábado, 5 de junho de 2010

A Vela.

Ele é charmoso, másculo, quente. Um daqueles que fazem qualquer jovenzinha despretensiosa babar por um olhar e desmoronar por um ronrono. O calor emana de seu corpo, afeta todas ao redor; vive em chamas!
Ela? Bom, pouco tem-se a dizer sobre a coitada. De pele alva e corpo esguio, decerto que poderia conquistar muitos corações. No entanto, só almeja o dele. Derrete-se toda em sua presença, uma coisa de louco. Deixa de ser dura como aço: transforma-se na mais macia das sedas, no mais maleável dos metais. Faz-se menor e menor, somente para que seja maior o seu tempo com o garanhão. Ele a aquece de um modo que nenhum outro jamais conseguira, e a história toda vez se repetia: a pobrezinha clamava por atenção, jogava o corpo e a alma aos seus pés para que não partisse. Por fim, quando acabava-se toda, ele ia embora.
Uma vez longe do moço, endurecia outra vez. Nunca com a mesma postura, porém. Deixava de ser a moça esbelta de outrora para assumir uma forma rebaixada, espalhada. Atirava-se sem pudor contra qualquer Pires que a amparasse. Cansado daquele drama sem fim, Pavio resolveu por fim na labuta chorosa que vinham empreitando. Resolveu, pois, cortar a comunicação entre ambos. Não mais serviu de mensageiro para os recados do galanteador, tampouco transmitiu os lamentos apaixonados da donzela. Naquela noite, Fogo não apareceu e Cera não chorou.