quarta-feira, 6 de julho de 2011

Sobre Sonhar.

E havia aquele rapaz. Pobre, de magreza severa e pertences poucos, de andares maltrapilhos e de Domingos que não traziam conforto ao corpo. Mas sonhava. Errava sem pressa pelo mundo, fundo nas tocas que cavou. Bocas sem dono contavam que nunca almejou um tostão; e línguas irascíveis que gozavam das bocas como donas, oxalá se somente por incompreenão, acrescentavam que era louco. Só poderia! Qual homem de mente sã viveria feliz na sarjeta? Nenhum, explicavam os cérebros, incapazes de dizer se eram donos do próprio pensamento.

De qualquer forma, ele sorria. Meio perdido e deveras achado, deslocado sob o sol e rei quando caía a noite. Depois da alvorada, ia para qualquer canto ermo da rua e se perdia em devaneios. Empoleirava-se na penumbra, decerto por ela lhe remeter ao sono que, por sua vez, remetia o agora plebeu às horas de altivez experimentadas durante a madrugada. Quando nos deparávamos com ele, seus olhos abertos contavam o que viram quando estavam fechados. Exalavam uma beleza que nós não conseguíamos enxergar.

A cidade era miúda, mas nela tinha de tudo. Gente local e gente de fora, homens muito ricos e homens muito cultos. E havia aquele rapaz, que afinal jamais fora pobre. Errava sem pressa por suas tocas, desenterrando tesouros que nos eram peculiares. Rico pelos valores que criou. Se me perguntassem, diria que era feliz. Talvez o único naquela cidade em que de tudo havia.